30 de outubro de 2014

Crimes e cuspidelas


Cuspimos muitas vezes nas ruas. Cuspimos algumas vezes no prato em que comemos. Mas quando a cuspidela é uma tentativa parva de fazer humor, ninguém convoca a dessacralização montypythoniana dos poderes, ninguém admite o humor corrosivo de Yes, Prime Minister, todos nos tornamos virgens ofendidas - e o país tem de se ofender em uníssono sob pena de lesa pátria. Tresanda a mau desodorizante: xenófobo e parvo. Quais cães pavlovianos a salivarem com o mau humor, frases parvas ou perfis falsos. Não param para pensar porque a palermice não tem travões e logo é melhor soltar o odor fétido da xenofobia e do racismo. (E podia ser com suecos por causa de um anúncio de uma cola qualquer.)

Claro que me vão cuspir na cara que não é assim: eu até tenho amigos brasucas, mas eles são preguiçosos ou só comem novelas e até escolhem a Dilma, numa clássica variação em que os brasucas podem ser substituídos por pretos, chinocas, homossexuais - e por aí fora. Um mimo de tolerância, todos diferentes, nada iguais. 

Haja paciência. A diatribe, esta minha, não é cuspida. Porque a jactância só é própria de quem, sob a capa de um episódio banal de um comentário (por acaso de um perfil falso) parvo, resolve incendiar redes sociais numa mal disfarçada xenofobia: sim, Luana, 38 anos, brasileira de São Paulo, não foi atacada por colar os portugueses à derrota de Aécio, numa frase mais desajeitada que qualquer discurso de Passos Coelho. Luana foi linchada por ser brasuca, atriz de novela, de um país que só vive futebol, favelas e forró, quando é tão pobre. Como Maitê, 56 anos, também brasileira de São Paulo, tinha sido atropelada pela cuspidela sem graça na fonte dos Jerónimos.

Eu prefiro ir à fonte. Luana é a prova de que Deus é brasileiro, como já tínhamos aqui contado uma vez. Como Maitê. Escusam de cuspir. Admirem, tão-só.


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