12 de junho de 2014

Da tendinose que nem a Irina nos salva

A tendinose rotuliana fez abertura de noticiários e primeiras páginas: o País parecia parado à espera do melhor prognóstico antes do jogo, como se não bastassem as tendinoses a sério do estado das coisas a que as coisas chegaram - cortes e cortes, chumbos e chumbos. Corremos atrás da tendinose rotuliana, quando o que se pedia era descanso, ao jogador e ao noticiário sobre o jogador lesionado. Não digo que se esquecesse a articulação, que não se procurasse explicação clínica para o joelho, mas faltou articular cuidados maiores na exposição de um joelho ao raio-x do valor-notícia. Era apenas um joelho, senhores.



Já as articulações de Irina, 28 anos, 1,78, russa de Yemanzhelinsk, me parecem mais sofisticadas para eventual análise, mesmo no laboratório de análise de conteúdo de qualquer jornal e televisão. É óbvio que, nestas semanas, se pode resvalar facilmente para o circo sem pão, mesmo que haja quem grite por pão no meio do circo.

Mas (insisto em meter um mas a meio destes posts) preferia ter uma imprensa capaz de me trazer a tendinose de Ronaldo articulada com as curvas de Irina e os manifestantes do Leblon e da Avenida Paulista a gritarem pelos ônibus e os hospitais e as escolas que a Copa não lhes trouxe - lá como cá, sobrarão estádios vazios de gente, cheios de défice. Uma comunicação social que metesse Passos a pôr em fanicos a separação de poderes e um Cavaco a exercer o poder de pôr em fanicos o consenso que só esconde uma democracia doente, contando em rodapé que Irina vai estar por nós e pelos da sua Rússia natal. Articulação só possível pelo amor ronaldiano com ou sem tendinose, articulação perfeita entre um jornalismo que interpela os poderes e nos conta o fait-divers.

Isto tudo para constatar o óbvio: «Si los periodistas no pueden vivir exclusivamente del salario de su actividad full-time, en ese pais no hay verdadera libertad de prensa.» Ou se os jornalistas podem ser despedidos apesar de serem filhos menores de erros editoriais e de gestão, nesse país é a democracia que está em perigo. É a democracia que tem uma tendinose. E nem a Irina nos salva da doença.

2 comentários:

  1. A democracia, por vontade de alguns - Cavaco, Passos & afins - já estava entrevada não era só uma tendinose que tinha. Raquel

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